Ademir Pfiffer – Historiador, para o Jornal do Vale do Itapocu/Portal Observa+
A identidade brasileira, conforme magistralmente defendida pelo sociólogo e pensador Gilberto Freyre, é uma tapeçaria tecida pela diversidade e pela capacidade de absorver e adaptar tradições. A região do Vale do Itapocu, em Santa Catarina, é um microcosmo dessa realidade, onde a cultura germânica – em suas vertentes alemã e pomerana – floresceu sem perder o sabor brasileiro.
A 22ª Sommerfest e Festa de Rei e Rainha da Sociedade Esportiva Recreativa Guarany, no Rio da Luz II, em Jaraguá do Sul, transcende a mera celebração, configurando-se como um ato de preservação e reinvenção cultural, evidenciado no encontro da tradição de origem europeia com o espírito resiliente e acolhedor do Brasil. O texto a seguir é fruto das observações e anotações do historiador Ademir Pfiffer, que testemunhou como a comunidade honrou seu passado e celebrou o presente.
Reinvenção da tradição sob o céu de Jaraguá: A Sommerfest no mosaico cultural teuto-brasileiro. Participe do nosso grupo de WhatsApp e acompanhe as principais notícias do País. Acesse: www.observamais.com.br
A tradição é a memória em movimento. E para as comunidades remanescentes de pomeranos e alemães do interior de Jaraguá do Sul, as festas de Rei e Rainha, realizadas em suas sociedades de tiro e recreativas, são o elo mais forte com o passado. A 22ª Sommerfest e Festa de Rei e Rainha da Sociedade Esportiva Recreativa Guarany, no Rio da Luz II, é um testemunho vivo dessa resistência cultural.
A despeito da forte chuva da primavera, que impediu o tradicional e emocionante desfile ritualístico de busca das majestades — um dos momentos mais solenes e visuais da cultura germânica local —, o evento reafirmou seu propósito central: a união e a celebração comunitária.
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O Ritual Adapta-se, a Tradição Permanece
O “ritual da busca” é, simbolicamente, a jornada da comunidade para honrar e trazer seu rei e rainha ao centro da festa. Quando a intempérie impede a marcha pelas estradas rurais, a essência do rito é transferida para dentro do salão. As majestades, vestindo os trajes de gala, e os associados, nos uniformes de tiro ao alvo nas cores preta e branca, acolheram o rei Adair e a rainha Elrita Towe, acompanhados pelos cavalheiros Ademir e Guido, e pelas princesas Iracema Viebrantz e Renilda Grutzmacher.
Sob a liderança do presidente da Sociedade, Arlindo Kleemann, a celebração ganhou ainda mais significado com a presença de sete sociedades coirmãs do município de Jaraguá do Sul: Aliança, Alvorada, Independência, 25 de Julho, Barg, Ribeirão Grande da Luz e Vitória. Todas participaram do congraçamento, exibindo seus estandartes com os respectivos logos. Durante o cerimonial, conduzido pelo orador da noite Valdecir Spredmann, as rainhas de cada sociedade e as candidatas ao título de Rainha da Schützenfest fizeram uso da palavra, reforçando os laços de fraternidade entre as entidades.
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É importante notar que o Rei Adair e a Rainha Elrita Towe conquistaram seus títulos em 2024 e tiveram a efetivação em 2025. O casal carrega a tradição não apenas em Jaraguá, mas também em sua terra natal: eles são residentes no município vizinho de Pomerode, na região do Vale Tombado do Rio do Testo, e participam ativamente da tradição do schützenverein (sociedade de atiradores) em sua respectiva comunidade. Essa participação intermunicipal reforça os laços e a unidade da cultura germânica em todo o Vale do Itapocu.
Neste encontro, a comunicação flui de maneira especial. Embora todos dominem o português e saibam ler, a cultura linguística é um tesouro vivo: os membros mais antigos da comunidade preservam e falam a Língua Estrangeira Pomerana (Pommersch) e a Língua Estrangeira Alemã (Deutsch), criando um ambiente autêntico onde o passado e o presente se cruzam em cada conversa.
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A força dessa tradição, que mescla a disciplina do tiro esportivo com a alegria da cultura folclórica, é inabalável. A Festa de Verão, que homenageia o novo reinado, se concentrou naquilo que o clima não pode levar: a gastronomia farta, o calor humano e a música contagiante.
Com um delicioso jantar típico, que evoca os sabores da cozinha herdada da Pomerânia e da Alemanha, o público foi agraciado com um lauto banquete, cuidadosamente preparado por um grupo de voluntários. O cardápio contou com três tipos de carnes (bovina, suína e frango), além de diversos acompanhamentos como saladas e o tradicional strudel. Destacando a fartura, foram preparados 80 churrascos. A celebração foi ainda mais agradável com a conclusão da nova cozinha e o restauro da madeira do antigo salão, o que garantiu um agradável aspecto visual e mais segurança aos frequentadores dos eventos na Sociedade Guarany.
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A noite teve a animação inicial de Colega e Fritzinho, que, com bateria, guitarra e o bandoneon de Evaldir Mailing, músico residente no entorno da entidade associativista, prepararam o público para o animado baile ao som da Banda San German, de Rio dos Cedros. É nesse ambiente que a língua, a dança e o senso de pertencimento são passados para as novas gerações.
A Sociedade Guarany demonstrou que a verdadeira tradição reside não na rigidez do protocolo, mas na capacidade de adaptação e na inquebrantável vontade de celebrar as raízes. A 22ª Sommerfest provou que, mesmo com a chuva, o espírito festivo germânico nunca se apaga. A presença da comunidade é a maior honraria prestada ao seu Rei e Rainha.
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Considerações Finais
A 22ª Sommerfest da Sociedade Guarany é mais do que uma agenda social; é um vetor de manutenção da memória coletiva. Ao adaptar a ritualística do desfile devido ao clima, a comunidade demonstrou a plasticidade cultural que Gilberto Freyre identificou como característica do povo brasileiro. A tradição do schützenverein, com suas rainhas, reis e estandartes, sobrevive e prospera por ser calorosa, familiar e inclusiva, abraçando tanto o português quanto as pomerana e alemã.
Este evento, que reuniu diferentes sociedades de Jaraguá do Sul e majestades de Pomerode, celebra a identidade teuto-brasileira: uma identidade forte, unida pelo tiro ao alvo, pelo sabor do strudel e pelo som do bandoneon, provando que, no sul do Brasil, a cultura dos imigrantes continua sendo um pilar fundamental da brasilidade multifacetada.
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